Sublime sensação de quero mais. Percepção do mínimo detalhe do outro, o outro aflorado em mim. Qu'est que c'est? Perco as palavras quando não devo... Outra hora elas voltam...
Ae, foi eu desistir de escrever que o termo surge de algum lugar: efemeridade! Voltemos, oras pois, sobre o efêmero. Algo passageiro, de constância não necessariamente definida, algo que é destinado a cessar-se. Resume-se bem em momentos, pela duração e transitoriedade, e perpassa nosso cotidiano quase que num piloto automático: apreciar a transição não é algo que seja comum, justamente por ser tão comum a tal transição – me permito o uso disfarçado do princípio de identidade, outra conotação para o óbvio.
Fato é que, se num primeiro momento a mudança, o cessar ser, é algo tido como ruim (vide casais apaixonados), um segundo olhar compreende sua dinâmica e acaba percebendo-a natural, algo contra a qual não se luta. Pressupõe-se o velho grão de areia que vai ao mar quase que indiferentemente aos seus pares, nossa pequenez para mudar algo no mundo a não ser nós mesmos. Se a plenitude é a meta do ser humano, ela não o é sem considerar nossa realidade mundana, corrosível, findável. E justamente nessa consciência reside toda a nossa grandeza, a saber: o direito a optar por esta ou aquela mudança, optar em como lidar com elas em diferentes contextos.
Posso aqui parecer arrogante? Afinal, poucos sensatos chegaram a definir a natureza humana em seu ideal ao longo do tempo. Mas algo me diz, na condição de humano, que tenho o direito de me pensar, e isto sempre me leva a colocações de amor à humanidade, ao seu mundo. Ao homem, quem deu o direito de nascer e morrer? Sem a busca dos princípios últimos, digo que os próprios homens decidem sobre a vida, e haja responsabilidade! Somos nós quem lidamos com a morte, não Deus. Somos nós quem precisamos passar uma vida nos indagando a existência, não Deus. Somos nós quem nos inundamos de prazer e dor, nas facetas mais diversas possíveis. Como então não amar ao homem, como não amar minha condição humana? Pois é nesta condição de mutante e aberto ao mundo em que me realizo, e tenho a mínima noção de quem sou. E abrir-se ao mundo consiste, em outras palavras, na apreciação do efêmero...
Quão efêmero o sussurrar no escuro de um cinema... ou de um toque de mãos... bom, são só pensamentos passageiros de um grão de areia. Faz parte.
Estive pensando, nestes últimos tempos, de como me previra quando chegasse à idade que tenho: formado, namorando, com meu carro ou minha moto 450cc, emprego fixo e prazeroso, grau de satisfação entre 8 e 10. Bom, percebe-se que eu me imaginava bem mais fodão do que realmente me tornei. Me imaginava um adulto, sem espinhas na cara, timidez excessiva com as mulheres, amigos não populares e dependência de meus pais; alguém que fora campeão de basquete numa competição qualquer, fechou o terceirão com média alta e passo de primeira no vestibular (quem dera isto fosse dificuldade em filosofia).
Qual meu maior sonho até então? Mudar o mundo, de forma ingênua, mas sincera – nunca fui dado a messianismo. Porque existem cargos públicos? Ora, para eu ocupar, com minha reputação ilibada, consciência social, vontade de crescer rápido e não permitir mais ditaduras, planos econômicos absurdos, crianças no sinal e filas nos hospitais. Era um esquerdismo naturalmente herdado dos professores de história com os quais estudei, esquerdismo pragmático, de ação, como me ensinou um dos poucos que devo e quero chamar meu mestre. Na época Lula ainda era uma promessa, FMI era xingamento, o real era uma moeda que eu achava “legal” (muito melhor que aquele monte de cruzeiros que minha mãe me dava para comprar um salgado na cantina do Osvaldo Cruz), o multilateralismo fazia parte da política norte-americana, brincar de golzinho não era tido como infantil pelo sexo oposto, muito menos ver desenhos japoneses, a Uem era uma grande pista para bicicletas (pouquíssimos sabem que por alguns corredores conhecidos passavam piás fugindo dos guardinhas e seus rádios sintonizados), e o Vanucci apresentava Esporte Espetacular aos domingos depois de uma boa corrida de fórmula um onde sempre faltava o Senna.
Muita coisa dita, poucos significados né? É que escrevo relembrando flashs back de alguns momentos, nada mais íntimo do que isto. Espero que os que lêem agora compreendam que as crianças sempre têm muita coisa para contar, e na afobação se precipitam.
Fato é que com vinte e dois anos (sim, eis minha idade, nem boa, nem ruim) seria um adulto destes que aparecem nos jornais, escrevem livros, decidem sobre como o trânsito de pipas pelo céu é possível e sobre fazer ou não fazer guerra. E agora José, (perdoe-me Drummond)? Ai, ai, este saudosismo um dia me mata.
Agora sou um acadêmico de filosofia, tenho um carro e amo uma mulher: por mais tolo que amá-la possa parecer, por mais tolo que se orgulhar de um gol 89 possa parecer, por mais tolo que sentar numa sala num calor de 30 graus para falar sobre santo Anselmo possa parecer (neste caso fico tentado em concordar). Tenho um emprego estável, planos para um futuro não tão distante e embasbacado com algumas coisas que me dão medo – sempre houve medo, possivelmente sempre haverá em algum momento. Continuo a gostar de desenhos japoneses, jogar golzinho ainda me apraz e andar de bicicleta na Uem é hobby escondido. Ainda sou tímido com mulheres, meus amigos não freqüentam por vocação locais aglomerados e da moda e continuo a outorgar aos meus pais algumas responsabilidades. No geral, sou eu quem vos fala, seja com doze anos ou vinte e dois – tudo isso para chegar à conclusão de que sou o mesmo.
Quantos mundos conquistei? Mudei o mundo como imaginava? Nem a pau, o mundo é que acabou me mudando. Mas mesmo mudado, olhos fotos antigas e me vejo, ali, como se fosse hoje, tudo o que senti e sonhei. Não nego que influi no mundo de alguém, mas como sempre é recíproco me dou o devido perdão. Mundo, mundo, vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo... levantaria dos livros e acertaria um “trabalho” com uma mãe de santo contra essa praga que tanto incomoda seu autor! Mas faz parte, diria Bambam, o filósofo das massas: Seu Carlos nem se incomodaria com tamanha mixaria, e acabaria me mandando procurar alguma anca larga para me esconder – simples assim.
Estou no grau 10 de satisfação? Nem a pau! – parafraseando mais uma vez os trejeitos de um nobre colega. Para estar neste grau deveria estar no mestrado, com um Civic na mão e ter conseguido a proeza de compreender o coração de certa dama (e olha que eu tento ein). Grau 9 talvez? Não, otimista demais. Pulando causos e lorotas, um grau 7 é de bom tamanho. Se a maioria das coisas não são como nós queríamos, grande parte das surpresas que elas nos reservam podem trazer coisas boas, depende só de postura, ponto de vista. Além do que, ter que estudar como um louco e trabalhar para manter a loucura em dia toma muito tempo para divagações como esta, incluso amor e coisas afins.
Afinal, algumas coisas nunca mudam. Desde um sorriso dado de bom grado a um poema de Drummond. É só aprender a lidar com elas.
Felicidade é sorrir
E partir corações
Linchar sentimentos
Inunda-los de substância orgânica
Caso a caso - destino
Imperdoável o calor de tuas vestes
Destoando perdida às traças
Aplaudida
Destemida
Empobrecida Maria das rosas do vestido azul
. Efêmero
. Sentimentos (in)esperados...
. Aos 22
. Ternura